O negócio é que minha sorte sempre foi um horror. Olha só o meu nome: Demetria. Não Demetria Marrie, nem Diana, Daniela ou mesmo Jenny. Só Demetria. Sabe que na França os garotos são chamados de Demetria? Tudo bem, não moro na França. Mas mesmo assim. Sou basicamente uma garota que tem nome de menino. Pelo menos seria, se eu morasse na França. De modo que não foi uma grande surpresa quando o motorista de táxi não me ajudou com a mala. Eu já tivera de aguentar a chegada ao aeroporto sem encontrar ninguém para me receber, e depois os muitos telefonemas, perguntando onde meus tios estavam, não foram atendidos. Será que, no fim das contas, eles não me queriam? Teriam mudado de ideia? Teriam ouvido falar da minha falta de sorte – desde lá de Iowa – e decidido que não queriam ser contaminados?
Mas, mesmo que isso fosse verdade – e como eu tinha dito a mim mesma um milhão de vezes desde que havia chegada à área de bagagens, onde eles deveriam me encontrar, e não visto ninguém além de carregadores e motoristas de limusine com aqueles pequenos cartazes com o nome de todo mundo, menos o meu –, não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Certamente não poderia voltar para casa. Era ficar em Nova York – e na casa da tia Jennifer e do tio Brad – ou me ferrar de vez.
Assim, quando o motorista do táxi, em vez de sair e me ajudar com as malas, só apertou um botãozinho azul fazendo a tampa do porta-malas abrir alguns centímetros, não foi a pior coisa que já havia me acontecido. Não foi nem a pior coisa que me aconteceu naquele dia.
Tirei minhas malas, que deviam pesar, cada uma, uns cinco mil quilos, pelo menos – excluindo o estojo do meu violino, claro –, depois fechei o porta-malas de novo, o tempo todo parada no meio da rua Sessenta e Nove Leste, com uma fila de carros atrás de mim, buzinando com impaciência porque não podiam passar, pois havia um furgão da Stanley Steemer estacionado em fila dupla do outro lado da rua, em frente ao prédio do meu tio.
Por que eu? Fala sério. Gostaria de saber.
O táxi partiu tão depressa que eu praticamente precisei pular entre dois carros estacionados para não ser atropelada. As buzinas pararam enquanto a fila de carros que havia esperado atrás do táxi começava a andar de novo, com todos os motoristas me lançando olhares maldosos enquanto passavam. Todos aqueles olhares malvados fizeram com que eu percebesse que estava mesmo na cidade de Nova York. Finalmente.
E é, eu tinha visto a silhueta dos prédios enquanto o táxi atravessava a ponte de Triboro... a ilha de Manhattan, em toda a sua glória suja, com o Empire State se projetando no meio como um grande dedo médio brilhante.
Mas foram os olhares maldosos que realmente fizeram efeito. Ninguém lá em Hancock seria tão perverso assim com alguém que obviamente era de fora da cidade.
Não que tantas pessoas assim visitem Hancock. Mas tanto faz.
E havia a rua onde eu estava. Era uma daquelas ruas exatamente iguais às que sempre aparecem nos seriados de TV quando estão tentando dizer que alguma coisa é situada em Nova York. Tipo em Law and Order. Você sabe, os prédios estreitos, de três ou quatro andares com fachadas de arenito, portarias pintadas de cores fortes e escadinha de pedra na frente...
Segundo minha mãe, a maior parte desses prédios de arenito de Nova York serviam originalmente como residência para uma única família, quando foram construídos em mil oitocentos e tantos. Mas agora foram divididos em apartamentos, de modo que há uma família – ou algumas vezes duas ou mais – por andar.
Mas não o prédio de Jennifer, a irmã da minha mãe. Tia Jennifer e tio Brad Pitt são donos de todos os andares do edifício. O que significa praticamente uma pessoa por andar, já que tia Jennifer e o tio Brad só tem três filhos, meus primos Miley, Braddy e Ashley.
Lá em casa só temos dois andares, mas há sete pessoas morando neles. E apenas um banheiro. Não que eu esteja reclamando. Mesmo assim, desde que minha irmã Dallas descobriu a chapinha, a coisa anda bem feia lá em casa.
Mas por mais que a casa da minha tia e do meu tio fosse alta, era realmente estreita – só três janelas lado a lado. Mesmo assim era uma casa bem bonita, pintada de cinza, com acabamentos num tom mais claro. A porta era de um amarelo luminoso e alegre. Havia floreiras amarelas na base de cada janela, onde se derramavam gerânios de um vermelho-vivo – e obviamente recém-plantados, já que estávamos apenas no meio de abril, e não estava suficientemente quente para eles.
Era bom saber que, mesmo numa cidade sofisticada como Nova York, as pessoas ainda percebiam como uma floreira podia ser aconchegante e acolhedora. A visão daqueles gerânios me animou um pouco.
Talvez a tia Jennifer e o tio Brad tivessem apenas esquecido que eu iria chegar hoje, e não tivessem deixado de me buscar no aeroporto de propósito, só porque mudaram de ideia quanto a deixar que eu ficasse com eles.
Tudo ia ficar bem, afinal de contas.
É. Com a minha sorte, provavelmente não.
Comecei a subir a escada até a porta da frente do número 326 da rua Sessenta e Nove Leste, depois percebi que não iria conseguir fazer isso com as duas malas e o violino. Deixando uma mala na calçada, arrastei a outra para cima, com o violino enfiado embaixo do braço. Depositei a primeira mala e o estojo do violino no último degrau e voltei rapidamente para pegar a mala, que eu havia deixado na calçada.
Só que acho que desci um pouco depressa demais, porque tropecei e quase caí de cara na calçada. Consegui me equilibrar no último instante agarrando a cerca de ferro fundido que os Pitt haviam posto ao redor das latas de lixo. Enquanto estava ali pendurada, meio pasma com a quase catástrofe, uma senhora elegante que passeava com o que parecia um rato numa coleira (só que devia ser um cachorro, porque usava casaco xadrez) passou e balançou a cabeça olhando para mim. Como se eu tivesse dado um mergulho de cabeça de cima da escada dos Pitt de propósito, para assustá-la ou sei lá o quê.
Lá em Hancock, se uma pessoa visse outra quase caindo da escada – até alguém como eu, que cai da escada quase todo dia – teria dito algo como: "Você está bem?".
Mas em Manhattan as coisas eram obviamente diferentes.
Só quando a velha com o rato de estimação saíram do meu campo de visão ouvi um estalo. Quando me levantei, descobrindo que minhas mãos estavam cobertas com a ferrugem da cerca, vi que a porta do número 326 da rua Sessenta e Nove Leste havia se aberto, e que uma garota bonita e loura estava me espiando de cima da escadinha.
- Olá? – disse ela com curiosidade.
Esqueci a velha com o rato e o quase mergulho na calçada. Sorri e subi de novo a escada. Mesmo não acreditando no quanto ela havia mudado, fiquei feliz em vê-la...
...e preocupada demais imaginando que ela não sentiria o mesmo ao me ver.
- Oi – respondi. – Oi, Miley.
A moça, pequena e muito loura, piscou para mim, sem me reconhecer.
- Não – respondeu ela. – Não, não sou Miley. Sou Petra. – Pela primeira vez notei que a moça tinha sotaque... um sotaque europeu. – Sou a au pair dos Pitt.
- Ah – falei duvidosa. Ninguém havia me dito nada sobre uma au pair. Felizmente eu sabia o que era isso (uma pessoa que troca serviços domésticos por moradia e alimentação) por causa de um episódio de Law and Order que vi uma vez, onde a au pair era suspeita de matar a criança de quem deveria estar cuidando.
Estendi a mão direita suja de ferrugem.
- Oi. Sou Demi Lovato. Jennifer Pitt é minha tia...
- Demi? – Petra havia estendido a mão automaticamente e apertado a minha. O aperto se tornou mais intenso. – Ah, quer dizer, Jinx?
Encolhi-me e não só por causa do aperto dela – que era realmente forte para alguém tão pequena.
- É isso aí – respondi. O que mais poderia fazer? Isso é que era recomeçar a vida num lugar onde ninguém me conhecia pelo apelido menos do que lisonjeiro (porque Jinx significa "pé frio"). – Minha família me chama de Jinx.
E continuaria a chamar para sempre, se eu não conseguisse dar um jeito na minha sorte.
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