28 dezembro 2013

Sorte ou Azar? - Capítulo 4


Fantástico. Fantástico mesmo. 
Vou admitir, eu deveria saber. Deveria ter uma resposta preparada para a pergunta muito natural de Taylor. 
Só que não tinha. Claro
Assim, acho que merecia o que Miley havia acabado de me dar. 
Mas ao mesmo tempo foi um choque ouvir quando ela falou daquele jeito, com tanta tranqüilidade. 
Em especial porque isso era só a metade. A outra metade, claro, só eu sabia. Graças a Deus. Porque não duvido que Miley teria contado isso também, se soubesse. 
Em especial porque ela parecia estar adorando a reação que conseguira – meu silêncio mortificado e as bocas abertas de Chelsea e Emily. 
- Caraca! – disse Liam. 
Notei que até Joe virou os olhos escuros para mim de um modo que me deixou ainda mais desconfortável do que já me sentia. 
Os olhos de Taylor se arregalaram. 
- Verdade? Assediada? Deve ser apavorante. 
- Você tem tanta sorte! – guinchou Emily, rindo. – Nunca fui assediada. Como é? 
- Meu Deus. – Miley apagou o baseado num cinzeiro sobre a mesa de vidro. – Não tem nada empolgante nisso, Emily, sua idiota. Ouvi dizer que o cara é um psicopata completo. Provavelmente vai aparecer aqui e assassinar a gente na cama. Nem acredito que meus pais concordaram com isso. 
- Ei – disse Robert, ultrajado. – O baseado ainda estava bom! 
Eu também não podia acreditar. Não sobre o baseado! Mas que Miley havia simplesmente ANUNCIADO a coisa daquele jeito, tão casualmente. Ainda mais considerando o fato de eu tive que sair de casa, deixar todos os meus amigos e a escola onde, vou admitir, eu era bem popular. Quero dizer, sou uma garota legal. As pessoas gostam de garotas legais. Esse tipo de coisa não acontece com garotas legais. As garotas legais não são seguidas por psicopatas... 
...a não ser, claro, que por acaso elas atraiam isso. 
Mas Miley não sabia dessa parte. 
Assim, para ela abrir o bico sobre a parte que não sabia... 
E ainda mais na frente do Joe, que estava fazendo meu coração acelerar praticamente toda vez que eu o olhava. 

Quis morrer de novo. Ou vomitar. Era difícil decidir o quê. 
- Ele não me assediou – tentava escolher as palavras com cuidado. E também percebia, pela expressão espantada das pessoas, que talvez eu tivesse falado isso um pouco alto demais. Baixei a voz. – E não é psicopata. É só um cara com quem eu saí, que ficou meio sério demais, depressa demais. 
Pronto falei: como me saí? Será que iriam acreditar? Por favor, faça com que acreditem. 
- Ele provavelmente queria andar de mãos dadas – Miley zombou, impassível, e Liam soltou uma gargalhada. 
Certo. Bem, isso foi maldade. 
Mas eles acreditaram. Pelo menos Miley acreditou. 
E era só isso que importava. 
Quando lhe lancei um olhar feio por causa do comentário sobre andar de mãos dadas – porque senti que era isso que uma garota como eu faria –, Miley disse: 
- Ah, qual é, Jinx. Sua mãe é ministra da igreja. 
Taylor me lançou um olhar espantado. 
- Fala sério! Você é filha de uma PASTORA? 
Claro que ela disse isso como se fosse uma coisa ruim. As pessoas sempre fazem isso. 
- Também sou filha de um consultor de informática – eu desconversei. – Meu pai trabalha com computadores. 
Mas ninguém estava escutando. Ninguém nunca escuta. 
- Meu Deus – empolgou-se Emily. – Isso é tão romântico! Você teve de fugir do estado para escapar de um amante obcecado. Eu gostaria de ter um amante obcecado. 
- Eu não me incomodaria se tivesse um sóbrio – disse Taylor, seca. – Em vez disso só tenho o Robert. 
Robert ergueu os olhos do baseado que estava tentando resgatar. 
- O quê? – perguntou, quando viu que todo mundo estava olhando para ele. 
- Estão vendo? – Taylor tinha um brilho tão intenso nos olhos que não pude resistir a uma risada... 
...até que Liam interrompeu dizendo: 
- O que é isso aqui? A bosta do programa da Oprah? Chega da vida amorosa da novata. Preciso do pagamento senhoras. – Ele estendeu o Treo, para que todos pudessem ler o total. – E não, não aceito cheque.

Miley fez uma careta, mas estendeu a mão para a bolsa. Uma Prada de mil dólares da nova coleção de primavera que minha irmã Dallas disse aos nossos pais que era a única coisa que ela queria de aniversário. Mamãe e papai riram como se fosse a coisa mais engraçada que já tinham escutado. Miley, Chelsea e Emily contaram uma pequena pilha de notas de vinte dólares. Depois, empurrando o dinheiro na direção do namorado, My perguntou: 
- Quando vai ser a entrega? 
- Amanhã – Liam pegou o dinheiro e arrumou a pilha antes de colocar na carteira. – No máximo segunda-feira. 
- Amanhã – disse Miley e estreitou os olhos. 
- Tudo bem, tudo bem. – Liam balançou a cabeça. – Amanhã. 
- Miley? – gritou a voz de Petra, vinda do pátio. – Miley, sua mãe está ao telefone! 
- Merda – reclamou My. – Já volto. 
Essa, eu sabia, era a minha deixa para uma saída graciosa. Quero dizer, me conhecendo, graciosa não era bem a palavra. Mas pelo menos seria uma saída. 
- Acho que também preciso ir – falei, me levantando. – Tenho de desfazer as malas. Foi legal conhecer vocês. 
Eu não sabia se era a maneira certa de me despedir de um monte de adolescentes entediados de Nova York. Mas Taylor disse toda animada: 
- Foi legal conhecer você também. Vejo você na escola! 
Portanto, acho que foi tudo bem. 
- E eu – Joe também disse e se levantou – estou ouvindo meu dever de cálculo me chamar. Vejo vocês depois. 
- Miley! – gritou Petra de novo. 
Miley xingou e saiu do caramanchão. Joe foi atrás dela e eu fui atrás do Joe. Ainda que a visão traseira de Joe fosse tão impressionante quanto a dianteira, não pude aproveitar. Só queria ir para o meu belo quarto cor-de-rosa, fechar a porta e ficar lá um tempo, sozinha, com minha lareira de mármore que não funcionava, e entender o que havia acabado de acontecer – para não falar do que eu iria fazer. Porque a coisa não estava acontecendo como eu havia imaginado. De jeito nenhum. Não que eu tivesse pensado que Miley e eu fôssemos passar o tempo todo juntas entrando num riacho e subindo em árvores. Só não havia esperado exatamente... 
Bem, aquilo
No pátio, Petra entregou o telefone a My, depois sorriu para mim e para Joe. 
- Olá – disse ela. – Vejo que vocês dois se conheceram. Não vai pular o muro hoje, Joe? 
Joe estendeu as mãos, que, como notei pela primeira vez, estavam cobertas de leves arranhões rosados, não muito diferentes dos que eu havia recebido da cerca de ferro fundido onde havia me agarrado para não cair quando cheguei. 
- Não com essas rosas crescendo tão sem controle lá atrás – ele respondeu. – Um dia desses aquelas coisas ainda vão me matar. 
- Você deveria vir pela porta, como uma pessoa normal – riu Petra. – Você está velho demais para pular muros. – Ela se virou para mim. – Demi, se algum dia quiser ir a um museu, à ópera ou ao teatro, Joe é a pessoa certa para consultar. Ele sabe tudo que há para saber sobre esta cidade... 
- Ei, calma aí – Joe pareceu ligeiramente sem graça. Será que Robert estava certo? Será que Joe tinha uma queda por Petra? 
Mas se ele estava apaixonado por Petra, não deixava transparecer pelo modo como interagia com ela. Parecia tratá-la com a mesma casualidade amigável que tratava... 
...bem, como me tratava. 
- É verdade – Petra sorriu para Joe. – Quando cheguei aqui e não conhecia ninguém além do senhor e da senhora Pitt e as crianças, Joseph me levou a toda parte. Ao Guggenheim, ao Frick, ao Met, às boates de jazz. Até ao zoológico. 
Joe ficou mais sem graça ainda. 
- Gosto de focas – disse a mim, como se quisesse se desculpar da aparente estranheza de levar a au pair ao zoológico. 
Hummm. Talvez ele tivesse uma ligeira queda por ela.

- E então – continuou Petra, enquanto a seguíamos pela porta de vidro para a sala íntima –, quando meu namorado, Willem, veio me visitar, Joseph nos deu ingressos para o... como é que se chama? 
- Cirque du Soleil – naquele momento, Joe, estava completamente sem graça. Mas ainda assim deu de ombros, bem-humorado. – Meu pai sempre consegue ingressos para as coisas, por causa do emprego dele.
Sorri para Joe. Não pude evitar. Tipo, além de gato, havia algo nele que era tão... bem, fácil de gostar. "Gosto de focas". Eu teria entendido totalmente se o que Robert tivesse dito fosse verdade, que Miley estava a fim do Joe. Eu mesma estava, e havia acabado de conhecer o cara. 
- Meu Deus, mãe! – A voz de Miley, do outro lado do pátio, saiu estridente. – Tá brincando comigo? Eu tenho coisas para fazer, você sabe. 
Petra começou a fechar a porta de vidro. 
- Demi – disse ela rapidamente –, preciso pegar as crianças na escola. Gostaria de ir comigo? As crianças adorariam. 
Mas Petra não foi suficientemente rápida com a porta, nem sua voz gentil abafou as palavras de Miley: 
- Porque eu tenho coisas melhores a fazer do que ficar dando uma de babá para minha prima caipira, por isso! 
A porta se fechou com um estalo e Petra se encostou rapidamente nela, com uma expressão de pânico no rosto. 
- Minha nossa. Tenho certeza de que ela não... tenho certeza... Algumas vezes Miley diz coisas que não são de propósito, Demi. 
Sorri. O que mais poderia fazer? 
E a verdade era que nem fiquei chateada. Pelo menos não muito. Eu estava sem graça, claro. Em especial porque vi Joe meio que se encolhendo e murmurando a palavra ui ao ouvir a expressão prima caipira. 
Mas eu estava aceitando o fato de que esta My não era a My doce e divertida que eu lembrava de anos atrás. Esta nova Miley, fria e sofisticada, era uma estranha. 
E, na verdade, eu não estava dando a mínima para o que uma estranha teria a dizer sobre mim. 
Sendo sincera. Tudo bem, talvez não com tanta sinceridade assim. 
- Sem problema – falei em tom casual. Pelo menos esperava que soasse casual. – Ela provavelmente tem coisas melhores a fazer do que bancar a minha babá. O saco é que as pessoas evidentemente acham que eu preciso de uma babá – acrescentei, para o caso de eles não terem captado a mensagem. – Não preciso. 
Joe levantou as sobrancelhas escuras, mas não disse nada. Esperei que ele não estivesse se lembrando do chá gelado Long Island, mas provavelmente estava. Petra continuou inventando desculpas para Miley, como "ela está nervosa com as provas do período.", ou "ela não tem dormido bem.", até chegarmos à porta da frente. Fiquei me perguntando por quê. Afinal de contas, essa nova Miley não havia me parecido uma pessoa que desejaria que alguém – e muito menos precisaria de que alguém – inventasse desculpas para ela. 
Mas talvez houvesse coisas que eu não sabia sobre "Miley", que precisavam ser levadas em consideração. Talvez, apesar do jardim lindo e das ferragens de banheiro em forma de cisne, nem tudo estivesse indo bem no lar dos Pitt. Pelo menos no quesito Miley. 
- Bem – disse Joe quando chegamos à calçada (fiquei satisfeita porque desta vez consegui passar pela escadinha da frente sem despencar). – Foi legal conhecer você, prima Demetria de Iowa. Eu moro aqui ao lado, por isso tenho certeza de que a gente vai se ver de novo. 
Pelo menos agora entendi o negócio de ele pular o muro – o quintal dele era separado do jardim dos Pitt por aquele muro de pedra perto do caramanchão – e também como foi que ele, como Miley, teve a chance de tirar o uniforme da escola antes dos outros. 
- Ah, sim, vocês vão se ver com freqüência. – O humor de Petra parecia melhor depois que saímos da casa. E de perto de Miley. – Demi vai freqüentar a escola Chapman pelo resto do semestre. 
- Foi o que ouvi falar – Joe piscou para mim. – Então vejo você por lá. Tchau, prima Demetria de Iowa. 

A piscadela fez outra vez meu coração acelerar. Era melhor eu ter cuidado. 
Felizmente ele se virou para ir embora. Vi que Joe morava na casa à esquerda dos Pitt, também de quatro andares, só que pintada de azul-escuro com acabamento em branco. Sem floreiras, mas com a porta da frente pintada de cor forte, tão vermelha quanto os gerânios dos Pitt. Vermelha como sangue. 
E por que foi que eu pensei isso? 
- Venha, Demi – Petra inclinou a cabeça na direção oposta à que Joe havia tomado. – A escola de Braddy e Ashley é por aqui. 
- Só um segundo – respondi. 
Porque, claro, eu não podia ir logo, enquanto as coisas ainda estavam indo bem. Ah, não. Não Demi Lovato. 
Não, eu tinha de ficar ali parada, enraizada no lugar como a caipira que Miley evidentemente achava que eu era, olhando Joe passar por um carro que havia acabado de entrar numa daquelas vagas muito desejadas da cidade de Nova York. Alguém do lado do carona estava abrindo a porta para sair... 
... no momento em que um homem numa bicicleta de dez marchas, usando sacola de mensageiro, veio a toda pela rua. 
Foi então que duas coisas pareceram acontecer ao mesmo tempo. Primeiro, o mensageiro de bicicleta se desviou para não acertar a porta aberta do carro, e teria subido na calçada e acertado o Joe... 
... se, naquele segundo exato, eu não tivesse me jogado no caminho para empurrar o Joe, que não havia notado o carro, a bicicleta nem o vermelho-sangue dos gerânios. 
Motivo pelo qual acabei sendo atropelada por um mensageiro de bicicleta no meu primeiro dia em Nova York. O que, pensando bem, só pode ser culpa da minha falta de sorte.
A visão de um Joe e uma Petra preocupados, ou espantados, vindo para mais perto de mim foi embaçando rapidamente.


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