21 outubro 2012

5 Canções - 5. Brighter Than Sunshine

Mais Brilhante Que a Luz do Sol

A vida? A vida era uma droga.
O amor? Uma droga pior ainda.
E era exatamente por isso, pela vida ser uma droga do jeito que era, que eu estava lá, na casa dela, fingindo estar bem, fingindo que nenhum dos pensamentos que tive nos últimos meses era verdadeiro. Fingindo que o que eu sentia era uma mentirinha boba.
Era pelo amor ser uma droga que eu estava ali, me drogando mais um pouco.

- Sabe o que dá vontade de fazer em dias assim? - Ashley me perguntou, com as duas mãos espalmadas no vidro da janela, olhando pra chuva que caía do lado de fora.
- Dormir? - supus e dei um meio sorriso ao ouvi-la bufar.
Eu estava jogado no sofá da casa dela, como muitas vezes fazia, apenas pra passar o tempo, já que não podia ir pra casa com aquela puta chuva caindo do lado de fora.
Do jeito que eu estava deitado no sofá, podia ver Ash de costas, ainda olhando pela janela.
- O que você tem vontade de fazer? - perguntei, me rendendo, já que eu sabia que ela se faria de muda até eu perguntar. Ela gostava de ver que as pessoas se interessavam em ouvir o que ela tinha pra dizer, mesmo que essas pessoas apenas fingissem estar interessadas.
É, eu era uma dessas pessoas, algum problema?
- Que bom que você perguntou! - ela disse irônica e eu revirei os olhos. Sempre com aquele sarcasmo... - Nesses dias - ela continuou normalmente - Dá vontade de sair na chuva, sabe? Dançar, cantar... Sei lá!
Com uma sobrancelha erguida, continuei encarando as costas dela, podendo ver que ela sorria bobamente pelo reflexo da janela. Ri, descrente.
- Para o bem da humanidade - eu comentei - seria legal se só você tivesse essas vontades loucas.
Ash riu, distraída, e fez sinal pra que eu me aproximasse de onde ela estava.
- O que é? - resmunguei, logo que parei ao lado dela.
- Presta atenção - ela disse, apontando pra fora - Vê como a chuva cai? E o brilho que ela faz? E olha lá! - ela apontou, ainda com um sorriso bobo no rosto - É legal ver o modo como as gotas batem no chão, é... Bonito. - terminou, sonhadora.
- E daí? - perguntei, querendo rir. Ela sempre dizia gostar da chuva, mas eu não sabia que ela também tinha uma tara por ela.
- E daí que você é um insensível e eu não sei por que perco meu tempo contigo!
Outch! Olha quem tava falando, né?!
Mesmo assim, continuei parado ao lado dela. Conhecia-lhe bem demais pra achar que ela estava irritada de verdade.
- Você perde seu tempo comigo porque eu sou seu melhor amigo e você me ama - respondi divertido, passando um dos braços por cima dos ombros dela, abraçando-a de lado.
- Não, eu te aguento porque tenho que pagar todos os meus pecados convivendo com você! - ela retrucou, se esforçando pra não rir.
- Fala sério - eu disse, fingindo estar indignado - Você não cometeu tantos pecados assim!
Ashley gargalhou, mas não disse mais nada.
Mudando de posição, apoiei minha cabeça na curva do pescoço dela, a abraçando por trás, observando junto com ela a chuva cair.
- É bonita, não é? - ela perguntou, depois de algum tempo.
- Muito - eu respondi, mas não estava mais prestando atenção na chuva.
Porque, como a cada dia eu fico mais gay por causa dessa menina, eu estava olhando pra ela.

- Eu não vou! - Ash gritou enérgica, parecendo exasperada comigo.
- Ashley, minha querida - eu disse, achando muita graça da situação - Você queria sair na chuva, lembra?
Eu estava parado no hall de entrada do prédio de Ashley, enquanto ela se negava a sair.
- Deve estar frio... - ela choramingou e eu revirei os olhos pela... Centésima vez?
- Você é estranha - eu disse, sacudindo a cabeça, mas soltei uma risadinha quando Ash sorriu e concordou.
A cada dia que passava, parecia que eu entendia ainda menos ela. A garota queria sair na chuva, poucos minutos atrás e, agora, que estava tendo a chance, desistia?
- Você queria ir - eu disse, em um tom de ameaça - Agora você vai!
Caminhei até ela tão rápido que ela só teve tempo de gritar um "Não!" meio estrangulado quando percebeu o que eu estava prestes a fazer.
Gargalhando, e chamando um pouco da atenção do porteiro, peguei-a no colo e, enquanto ela se debatia, me batia, gritava e dava risadas, eu a levei para fora.
- Tá gelaaaaadaa! - ela gritou, agora gargalhando, logo que deixamos a proteção do prédio pra trás. Ri alto, pondo ela no chão.
A água estava realmente muito gelada e mesmo que estivéssemos a apenas alguns metros do prédio de Ash, já estávamos encharcados.
Ri escandalosamente quando Ash tentou correr pra dentro do prédio, mas afundou o pé em uma poça enorme e só não caiu porque se segurou em mim.
- Vem! - chamei, puxando-a comigo, depois que ela parou de rir e tirou o pé de dentro da poça de água.
Agora que estava na chuva, todo encharcado e com as roupas começando a pesar, percebi que a ideia dela não era assim tão absurda. Na verdade, era muito boa. A chuva estava me ajudando a clarear os pensamentos e me fazia ter uma sensação boa alojada no peito.
Enquanto estivesse sentindo aquilo, nada poderia dar errado.
Corremos pela calçada, como dois bobos, até chegarmos à pracinha que sempre íamos pra tomar sorvete em dias de sol. Àquela hora (e com aquela chuva), estava vazia.
Agora que parecia acostumada com a temperatura da água, Ash começou a rir sem parar. Ri junto com ela, mesmo sem saber do que.
Havia um quê de liberdade no ar, no chão, na chuva, que parecia deixar as coisas ainda mais bonitas.
Parecíamos dois bobos, rindo, correndo, cantando... Juro que quem passasse por ali pensaria que estávamos bêbados.
Pelo menos, eu estava. Bêbado com a presença dela.

Não vou comentar essa última frase, já cansei de dizer que estou ficando gay.

Ash pulava de um lado pro outro, agora com aquele sorriso bobo que eu havia visto em sua casa estampado no rosto. E ela estava linda, com a roupa toda encharcada, os cabelos colados no rosto e aquela felicidade que parecia transbordar dela.
Só percebi que estava cantando quando Ash se juntou a mim, fazendo um coro e paramos somente pra rir quando ela começou a fazer uma dancinha estranha, que ela não parou de fazer, mesmo depois de ver que eu estava rindo dela.

- Madame - eu disse em uma meia reverência, depois de voltar a respirar normalmente, estendendo uma mão pra Ashley, com a outra mão às costas, claramente a convidando pra dançar.
Ashley piscou, tentando enxergar e sorriu ao ver que eu estava sorrindo.
Ela pegou minha mão, aceitando o convite silencioso e logo estávamos dançando colados, como em uma valsa.
Comecei a cantar a primeira música lenta que me veio à cabeça, e Ash sorria enquanto eu cantava em seu ouvido.
So let the rain fall, I don't care. I'm yours and suddenly you're mine... Suddenly you're mine....
And it's brighter than sunshine...* - ela cantou o final da estrofe por mim, e nos separamos o suficiente pra que pudéssemos olhar nos olhos um do outro.
E ali, olhando nos olhos dela, eu sentia exatamente o que a música dizia. Eu era dela e, de repente, ela estava ali, nos meus braços. E era minha.
- Deixa a chuva cair... - eu sussurrei. Não sei se ela me ouviu, com o barulho de toda aquela chuva caindo à nossa volta, mas ela sorriu, olhando pros meus lábios, como se estivesse lendo eles.
E foi nesse momento que eu esqueci-me de tudo: de plano que deu errado, da ideia de ser só amigo dela, da minha desistência, da chuva, das nossas roupas encharcadas e do meu cabelo colado na testa. Ela me fez esquecer de tudo.
Ash não respondeu. Agora olhava nos meus olhos, como se pudesse ver algo ali. E eu tenho certeza que ela via, porque tinha algo ali: tudo o que eu sentia por ela estava estampado nos meus olhos, em todo o meu corpo, na minha alma...
Ela se aproximou, talvez um milionésimo de segundo depois que eu comecei a me aproximar. Senti sua mão fria tocar minha nuca e pousei uma das minhas mãos em seu rosto. Sem conseguir aguentar mais aquele espaço entre nós, eu simplesmente avancei até ela, sem em nenhum momento pensar nas consequências.
Senti algo explodir dentro do meu peito assim que os lábios dela, aqueles lábios agridoces e macios como algodão, se encostaram aos meus. E assim, sem mais nem menos, eu não tremia mais de frio, porque aquela pessoinha à minha frente me aquecia. O meu amor por ela me aquecia.
E era mais brilhante do que a luz do sol.
- Você tem razão. - foi a primeira coisa que ela disse, com a voz muito baixa, se afastando um pouco de mim. Abri os olhos, que pareciam não querer voltar à realidade. Olhei pra ela, que exibia no rosto um sorriso que eu nunca, em todos aqueles anos, havia visto antes, mas que eu sabia que seria meu preferido. - Deixa a chuva cair.
E então ela me beijou.
Sim, ela me beijou.
E aquilo tudo era mais do que certo, afinal, eu sou dela e assim, de repente, ela era minha.

*Deixe a chuva cair, eu não ligo. Eu sou seu e, de repente, você é minha. E é mais brilhante que a luz do Sol. (Aqualung - Brighter than Sunshine)


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